terça-feira, 24 de março de 2009

Conto narrativo -

“Lago Coca Cola”, tem este nome devido a cor escura da água. PA
A 220 km de Belém - Salinópolis, Pará. Banhado pelo Oceano Atlântico
Encontro das Águas - Rio Tapajós com Amazonas - SantarémPA
Botos no Rio Amazonas

– Encontros casuais -

Eu havia agendado uma consulta médica ao cardiologista, hoje, 11 março 2009, quarta-feira de verão abafado e de nuvens que do céu ameaça chuva em temporais, águas que enchem os bueiros da cidade, alagam as ruas e carros e pedestres bóiam, iguazinho peixes mortos na vazão poluída dos rios intoxicados de esgoto caseiros, e de ventos que correm rápidos e derrubam árvores e sonhos e levam casas para baixo, colchões e as esperanças para as nascentes de rios muito longe de ninguém. São as águas de março, alguém disse, fechando o verão.

Subi ao terceiro piso, dei-me com outros pacientes, quase todos mais velhos do que eu nas aparências, entre senhores e senhoras e atendentes, respondi à ficha do meu cadastro, pois sempre tem a primeira vez a um médico diferente. Não me percebo doente a qualquer mau que não seja a outro da rotina da prevenção. Dizem que os homens depois de qualquer idade procuram médicos, de criança, de rotina ou da velhice, alguns homens encontram os seus curadores e curam-se. Outros, dizem os familiares, se encontram com os anjos no céu de Deus bem mais cedo e se dormem em vigília de ninguém profundamente.

Vindo aqui à cura da medicina, qual foi o mau que eu poderia ter me encontrado, e se já não o soubesse por antecipação de todos os diagnósticos desse martírio, ‘via crucis’, até o último diagnóstico, pois esse é o fado a todos os caminheiros. Pois, enquanto resistir-se ao tempo, à parede o entretenimento em tela LCD, cura eu terei, se observar e seguir os programas, os mandamentos, a farmacopéia e as dietas dos homens modernos. Agora é assim que se escondem as dores, em ondas magnéticas avulsas: apreciando rostos, uns descontraídos e felizes. Outros menos descontraídos, ou a uma melhor opção a música barulhenta, risos, jogos e prazeres profissionais terceirizados e ou as notícias dos mercados de ontem, de hoje e de amanhã, pois, principalmente, essas são as causas dos males progressistas modernos do movimento dos enfermos, agora em vírus virtuais.

Vou à janela do terceiro andar, vejo os transeuntes lá embaixo, uns cegos sem bengalas obcecados à espreita atropelando os distraídos. Outros cegos com bengalas tropeçando uns. Pedintes, molestando outros, camelôs na calçada da Estação do Metrô Santa Cruz. Vejo os condutores de gente, muita gente e automóveis que vão e vêm, todos à rotina das mesmas palavras que eu teria de dizer a todos, todos os dias. Mas não fosse necessário, pois, outros homens amanhã já não estariam entre nós, passageiros teimosos da empreitada ilusão do viver?

As horas passam em vira-voltas agitadas. Ao centro médico, a espera é longa, as pessoas se olham como quem quisesse adivinhar os males de quem também se disfarça em dores ou lembranças de agonia. Uma perdida na outra. A minha vez chegará, a minha aparência resistirá à espera da vez. Vejo os 'slides' que mostram os modos de viver mais felizes com as receitas culinárias da tarde e doces ‘diets’. Os olhos quase sem conversas. Atentos! Vem uma chamada, deve ser por ordem de chegada ou deve ser por ordem da emergência: fulano de tal...! - Ainda não eu.

Sinto como quem adivinhasse que as pessoas já estão cedendo ao tempo. A juventude do juízo agora se arrasta cansada, cada rosto é meu espelho, cada par de olhos de lentes, cada pele, em todos os cabelos brancos, guarda o tempo da espera. O relógio não para. Os corações param. E sob o efeito de remédios, quem sabe, bate a esperança à eficiência do técnico de manutenção das vidas. Os homens caminham à idade da história perecível, vão-se a longe os argumentos, os pensamentos a justificarem-se à razão, vão-se todos às nuvens escuras, às águas contínuas, que começam a cair do céu.

Insinuo-me, levanto-me, vou ao bebedouro, sirvo-me ao 'toilet'. Entre outras necessidades mais preocupantes aos meus interesses. Sai o médico à porta do consultório, não deve ter mais de trinta, logo pensei, mas me chamou a atenção. Ouviu o meu coração, tomou a minha pressão arterial, e na simpatia da idade promissora, perguntou-me da minha história com os males do coração. Contei-lhe dos irmãos, ‘dois safenados’, falei-lhe da mamãe com um histórico cardíaco fulminante à causa mortis há oito anos. Assim, o gentil médico me prescreveu exames de praxe. Nada de importante a preocupar-se, me tanquilizou. Volte-me, com os exames, conclusos.

Pois é assim que anda a vida, ora a procurar médicos, ora do coração, ora da cabeça, ora das mãos, ora dos pés, muita gente já procura médico da alma, clínicos de imediatos, 'sub judice' de Deus ao enfarte. Algumas vidas param por qualquer outro motivo. A roda-viva vai e vem sem ter lembranças de ninguém. Quinta-feira, 12 de março de 2009, Assim que cheguei do trabalho, às 18 horas aproximadamente, o telefone tocou. Notícia de tristeza, disse-me uma cunhada d’outro lado da linha, ‘a Sandra morreu’. Melhor dizendo, foi encontrada morta em seu leito, já com a versão da polícia de que fora o óbito a mais de 24 horas. Ironicamente, pensei: - enquanto eu procurava um cardiologista para me receituar, à minha casa, de família, longe do meu quintal, falecera a Sandra. “'Causa Mortis': Miocardiopatia Isquêmica – insuficiência coronariana aguda”, diz o laudo do IML -, minha estimada segunda irmã, falecidas. Saudades!

segunda-feira, 16 de março de 2009

ODE - lembranças naturais

Paturi - Mangal das Garças - Belém - PA (foto de simao - jan 2009)

Mangal das Garças - Belém -PA (foto de simao - jan 2009)

Mangal das Garças - Belém -PA (foto de simao - jan 2009)
Lago Verde - Alter do Chão - Santarém-PA (foto de Ronaldo Ferreira)

Lembranças naturais

Foram-se os meus pertences espalhados nos teus braços. Vão longe de mim as alegrias e as amarguras desse tempo de lis. Então, restaram-me os teus desalentos e os teus desencantos, e os gritos roucos das supostas realidades.

Em ti, o dia já é noite, e nessa visão cretina escurecida em sucessivas noites, estranha ilusão mirante da enfadonha certeza de teres um dia nascido ícone e sozinha de mim, ainda não me assegura.

Hoje, vejo-te desidratada, transformada e seca e senão de ‘engelhadas tetas’ em tristes véus dos pensamentos. E passarão às vias – patética passageira – as ilustres horas frias - poentes em fins de tardes - das longas noites de ninguém.

Passarão meninos e meninas e todos os passarinhos também passarão por alegres estradas. Ficarão no céu sobre os tetos dos arranha-céus as nuvens, caras de todos nós. As aves grandes renitentes tomarão os teus abraços a saciarem-se da sede e da fome rotineira in natura dos caules das árvores, brotos verdes, e do nada mais. - Foste o fim, - eu fui o começo, gênesis deste absurdo cenário palco – estágio noturno e natural das tuas lembranças.

Nada mais supões de mim tanta certeza. Assim, estreitos laços caminham alheios, - eu caminho aos despeitos arredores dos rios, dos campos verdes às cinzas poluídas dos a fins acasos das outrora manhãs.

Mas se na juventude foste o meu desejo, a tenra idade da paixão, aquecemos-nos ao mundo à incoerência, à rotina ancestral dos tempos contínuos, antes de tudo e do fim da realidade real, ‘o lado de fora do sonho’ - ainda somos nós.
Homenagem a Sandra - querida irmã - março 2009