sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Conto de natal

Quem vem a minha casa vê um pé-de-abacateiro
Num pedacinho de terra dividida ao meio e flores
Separado por um muro contíguo à parede
D’outro lado um viveiro
Tem dez ou quinze aves
Uma ou duas galinhas poedeiras
Um galo novo e nove pintinhos
Que encantam meu pai
Ele os trata como bebês

De vez em quando me dou conta
Sentado à mesa de um franguinho
Que o vi crescer
Mamãe não gosta
De que eu diga nada assim

À parede uma gaiola pendurada
Um pássaro verde-amarelo e estranho
Lembra-me uma araponga
Quando canta que por acaso
A vi noutra gaiola pendurada

Papai diz que é um filhote de papagaio
Vindo da Amazônia do meu irmão
Não se sabe quando se têm notícias
Ele ainda vai falar
Ele ainda vai voltar

Quem passa juntinho ao portão da minha casa
É chamado à atenção aos latidos de dois cães
Vira-latas dóceis e agora também se pode ver
Um jabuti de casco sujo
Velho e se arrastando e solitário
Tento apreciar a sua idade
Deve ter mais de trinta e oito

À sombra da laje nova
Vai papai se embalando
Há vida numa rede azul
Vindo da Amazônia e da
Saudade no peito

Num canto do céu nem sei se é o horizonte
Escondem-se ogivas de prédios em mata verde
Antes da fumaça das fábricas progressistas
Longe... Lá vem na rota um avião!
E as nuvens se mancham de vermelho-ocre

Ao pôr-do-sol alguns pardais vêm buscar o abacateiro florido
Que não cresce mais por convicções políticas presidenciais
Mamãe nem liga para o horário-de-verão
Vem jantar meu filho!
“Vem comer desta ilusão”
In Janela abertas - 1ª ed. nov 2007

Um comentário:

MARIANO MARCENEIRO disse...

Muito bom.
Refinadíssimo.
De muito bom gosto.
Sinceramente eu gostei.

É isso ai! O Talento é Pertence de muito poucos,e tu o tens em grande quantia.
Congratulações, meu caro Simão.

Célio Mariano.